TRAJETÓRIA DE PESQUISA EM UM AMBULATÓRIO DE FERIDAS COMO CAMPO DE CONHECIMENTOS E PRÁTICAS NA FORMAÇÃO DE ACADÊMICOS DE ENFERMAGEM
Resumo
Introdução As Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Enfermagem vislumbram uma formação articulada à prática profissional, com atuação reflexiva, visando transformar a realidade como futuro enfermeiro; com aplicação de métodos de ensino-aprendizagem em cenários diversos, possibilitando ao aluno ser protagonista do processo, e contribuindo com o desenvolvimento de competências e habilidades profissionais.1 Nesse sentido, os estabelecimentos de saúde representam uma valiosa parceria entre universidade e serviço de saúde prestado ao paciente, que envolve desde questões biofisiológicas até emocionais, devendo ser prestada de maneira integral, o que é possível por meio de uma assistência de enfermagem sistematizada.2 Para tanto, faz-se necessário, a inserção de tais possibilidades na organização curricular dos projetos pedagógicos dos cursos de Enfermagem.3 No que diz respeito ao cuidado com feridas, a aproximação experienciada pelo acadêmico ainda na graduação a tal realidade, auxilia na construção do conhecimento e práticas sociais, éticas e políticas que se desenvolvem por meio de atividades de ensino, pesquisa e extensão, fazendo-se sob a prestação de serviços ao indivíduo, família e comunidade.4 Desta forma, justifica-se este trabalho, como forma de apresentar a atuação de estudantes de Enfermagem em um ambulatório de feridas de uma Policlínica de referência. Objetivo Relatar a trajetória de pesquisa em um ambulatório de feridas como campo de conhecimentos e práticas na formação de acadêmicos de enfermagem. Método Estudo descritivo com abordagem mista o qual integra a pesquisa principal intitulada “Ambulatório de feridas como campo de conhecimentos e práticas na formação de acadêmicos de enfermagem”. O projeto integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em Teorias e Práticas do Processo de Cuidar em Saúde e Enfermagem na Rede de Atenção, cadastrado no diretório de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, cujas atividades foram desenvolvidas por três docentes e seis discentes do curso de Bacharelado em Enfermagem da Universidade de Pernambuco, campus Petrolina-PE. O projeto foi desenvolvido no ambulatório de feridas da Policlínica do Hospital Universitário da Universidade Federal do Vale do São Francisco (HU-UNIVASF), localizado no município de Petrolina-PE. A unidade funciona como um hospital-dia, com realização de consultas, exames de diagnóstico e pequenas cirurgias. Os atendimentos são regulados por meio de encaminhamentos do HU-UNIVASF e das secretarias de saúde dos municípios que compõem a Rede Pernambuco-Bahia. A população do estudo constituiu-se pelos pacientes atendidos no referido ambulatório. A amostra, do tipo não probabilística, foi constituída pelos pacientes portadores de lesão de pele de qualquer etiologia, atendidos no ambulatório no período de agosto de 2020 a julho de 2022, de ambos os sexos e maiores de 18 anos. Foram excluídos, os instrumentos que apresentaram incompletude relacionadas às variáveis de interesse que inviabilizaram a análise dos dados. Para a coleta de dados quantitativos foi utilizado instrumento semiestruturado confeccionado pelos pesquisadores com informações referentes ao perfil sociodemográfico e clínico dos pacientes atendidos, e os tratamentos instituídos na condução das feridas. Os mesmos foram analisados por estatística descritiva, pelo software estatístico Stata versão 14.0 e o Microsoft Office Excel® 2013, e apresentados por meio de gráficos e/ou tabelas nas produções científicas do grupo. Já os dados qualitativos foram coletados por um roteiro de entrevista confeccionado pelos pesquisadores contendo questões sociodemográficas, culturais, e relacionadas à temática do estudo, sendo o mesmo aplicado com auxílio de gravador digital, e sua análise foi fundamentada no método analítico de Bardin. As variáveis de interesse estiveram relacionadas à informações sobre a organização estrutural física, insumos e recursos materiais do ambulatório, fluxo de atendimento e procedimentos realizados; perfil sociodemográfico e clínico dos pacientes; e sobre a SAE existente no ambulatório. A operacionalização do projeto ocorreu a partir de um cronograma em consonância com a equipe de enfermagem do ambulatório, com reuniões quinzenais junto à gestão de Enfermagem, bem como coletas de dados duas vezes semanais na presença de equipe assistencial de Enfermagem na sala de curativos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, Pró-Reitoria de Pós- Graduação, Pesquisa e Inovação em 11 de Julho de 2020 sob parecer nº 4.149.646. Resultados O desenvolvimento do projeto se deu em duas fases distintas: a primeira, de abril a julho de 2021 por meio de dados secundários, perfazendo uma amostra de 211 participantes; a segunda, ocorrida de novembro de 2021 a fevereiro de 2022, foi observacional, totalizando 45 pacientes. Primeira fase A pandemia da COVID-19 afetou parcialmente a coleta de dados presencial, devido à Policlínica ter sido revertida em hospital de campanha do HU-UNIVASF; assim, o projeto procedeu com coleta de dados secundários. Dos 211 pacientes atendidos no período, houve prevalência do sexo masculino, com 60 anos ou mais, etnia parda, ensino fundamental incompleto, renda familiar de um salário mínimo. Com relação às feridas, a maioria era de etiologia traumática, localizadas nos pés. Predominaram hipertensão arterial sistêmica e sedentarismo como comorbidade e fator de risco. No que diz respeito à conduta terapêutica, a maioria dos pacientes realizava as trocas diariamente no ambulatório, com a realização de desbridamento, predominando a técnica instrumental conservadora. A continuidade dos curativos que eram realizados no domicílio, executados por familiares. Entre as coberturas especiais utilizadas sem antimicrobianos em sua composição, houve predominância do hidrogel, e com antimicrobianos, o polihexametileno biguanida. Foi observado que o Processo de Enfermagem (PE) não era implementado no ambulatório, sendo apontado principalmente, o número insuficiente de profissionais e falta de conhecimento/domínio das cinco etapas que envolvem o PE como ponto dificultador para tal. No que diz respeito à produção acadêmica oriunda dessa fase, além da execução de três projetos de iniciação científica recomendados; a elaboração de cinco postagens educativas para redes sociais sobre temas relacionados ao cuidado com a pele; participação em eventos científicos online como ouvintes; apresentação de três trabalhos em eventos científicos; e, publicação de três artigos de revisão integrativa em periódicos nacionais. Segunda fase A partir da implementação presencial do projeto pela equipe pesquisadora, foi possível conhecer a organização e o fluxo de atendimento no ambulatório, além de coletar dados. A sala de curativos, embora apresentasse algumas inadequações referentes à estrutura física, dispunha dos equipamentos, materiais e insumos necessários à realização dos procedimentos. Os pacientes portadores de feridas extensas e/ou complexas eram encaminhados para o ambulatório na ocasião da alta hospitalar do HU-UNIVASF e programavam o atendimento ambulatorial, geralmente em frequência semanal, até que a continuidade do tratamento da lesão pudesse ser realizado na Unidade Básica de Saúde mais próxima do domicílio do paciente. A equipe de Enfermagem, composta por duas enfermeiras e duas técnicas em Enfermagem, executava atividades administrativas e assistenciais, sendo o acompanhamento dos pacientes, agendado semanalmente. Durante a coleta de dados, além do preenchimento do instrumento, eram colhidas informações sobre a pressão arterial, glicemia capilar e, registro fotográfico e mensuração das feridas (comprimento, largura e profundidade) em cada atendimento, e a partir da demanda do serviço, foram elencadas as intervenções de enfermagem prevalentes aos pacientes, de acordo com a sexta edição da taxonomia da Nursing Interventions Classification (Classificação das Intervenções de Enfermagem - NIC). Desta forma, foi possível reconhecer, pelo grupo de pesquisa e pela equipe de Enfermagem, a importância de utilizar o sistema de classificação, tornando plausível verificar a intervenção que mais se adequa ao perfil do paciente, além de estimular o enfermeiro a dispor de um olhar clínico frente ao problema. A partir dos resultados, foi identificado o perfil da amostra, que totalizou 45 pacientes, porém, com perfil semelhante ao da coleta anterior, de origem secundária, a saber: a maioria era do sexo masculino, etnia parda, média de idade de 53,74 anos, HAS e DM como comorbidades, e etilismo como fator de risco; faziam uso regular de anti-hipertensivos e analgésicos; e as lesões se localizavam predominantemente no pé. Diante do contexto experienciado pela equipe pesquisadora, foi percebido que causas multifatoriais podem interferir de forma positiva e negativa na condução terapêutica das lesões, e que o manejo extrapola o ambulatório e o profissional de saúde. Assim, foi elaborada cartilha de orientações aos familiares, cuidadores e pacientes, com linguagem segura e de fácil compreensão, contendo as principais orientações de enfermagem acerca do manejo das lesões. A elaboração da mesma visou auxiliar na continuidade terapêutica no âmbito domiciliar, promovendo autonomia no seu processo de saúde-doença, visando a recuperação e restabelecendo sua saúde com o auxílio das informações presentes. A produção acadêmica nessa fase resultou, além de três projetos de iniciação científica, sendo um recomendado e dois aprovados com bolsa; na apresentação de três trabalhos em eventos científicos, na publicação de dois artigos de pesquisa original em periódicos nacionais, e em dois trabalhos de conclusão de curso. Conclusão A trajetória de pesquisa no ambulatório de feridas revelou-se um campo fértil de conhecimentos e práticas fundamentais na formação dos acadêmicos de enfermagem. Através das experiências vivenciadas nesse ambiente, foi possível integralizar, expandir e consolidar os conhecimentos teórico-práticos adquiridos na academia, capacitar os futuros enfermeiros a oferecerem cuidados de qualidade, especialmente a partir da implementação da Sistematização da Assistência de Enfermagem, com uma abordagem baseada em evidências e centrada no paciente. Além disso, a pesquisa desenvolvida contribuiu com o avanço do conhecimento científico e com o aprimoramento das práticas de enfermagem voltadas à área de feridas.