INCIDÊNCIA DA PRIMEIRA ÚLCERA DE PÉ DIABÉTICO
REVISÃO SISTEMÁTICA E METANÁLISE
Resumo
Introdução: O DM é um transtorno metabólico de diferentes etiologias, caracterizado por hiperglicemia sustentada decorrente de alterações na ação e na secreção de insulina, ou em ambas (1). De acordo com a Federação Internacional de Diabetes, no ano de 2021, cerca de 537 milhões de pessoas viviam com DM, e em 2030 esse número pode ultrapassar 600 milhões. No mesmo ano, o Brasil, ocupou a sexta posição entre os países com o maior número de pessoas vivendo com DM. Esta condição é considerada um grande problema de saúde pública, devido aos altos custos gerados para o tratamento, perda de produtividade, carga de sofrimento, além de se destacar como uma das maiores causas de morbimortalidade no mundo (2). O DM, principalmente o tipo 2, é considerado uma condição, que na maioria das vezes, o diagnóstico ocorre quando as manifestações clínicas iniciam. O diagnóstico tardio e dificuldade na adesão ao tratamento com as mudanças de comportamento para o controle da doença, podem determinar o surgimento de complicações micro e macrovasculares (3). Dentre as complicações agudas destacam-se: a hipoglicemia, a hiperglicemia hiperosmolar e a cetoacidose diabética. Entre as crônicas incluem a retinopatia, nefropatia, cardiopatia isquêmica, doença cerebrovascular, doença do pé relacionada ao diabetes (síndromes neuropáticas e vasculares periféricas como o pé diabético) (1) . O pé diabético, hoje denominado “doença do pé relacionada ao diabetes” é definido pelo International Working Group on the Diabetic Foot (IWFGD) como doença do pé de uma pessoa com diabetes mellitus atual ou previamente diagnosticada que inclui um ou mais dos seguintes: neuropatia periférica, doença arterial periférica, infecção, úlcera(s), neuro-osteoartropatia, gangrena ou amputação (4). O termo pé diabético será adotado no estudo, por ser mais conhecido e definido desta forma enquanto descritor nas bases de dados. A úlcera de pé diabético (UPD) altera as condições clínicas das pessoas que a possuem e modifica os aspectos sociais que as envolvem, o que afeta diretamente a qualidade de vida dos indivíduos com UPD. Um dado incipiente na literatura nacional e internacional, refere-se à incidência deste agravo. Conhecer a frequência com que uma determinada doença ocorre num determinado período possibilita avaliá-la para traçar medidas de controle e tratamento pelos serviços de vigilância em saúde pública. Ressalta-se que os dados de incidência reunidos nacional e/ou internacionalmente, são obtidos por meio de estudos multicêntricos, assim como de revisões sistemáticas e/ou metanálises, que são considerados estudos com alto nível de evidência, pelo rigor metodológico a que são submetidos (5). Portanto, realizou-se esta pesquisa com destaque da UPD como uma das principais complicações do DM e a restrição de dados referentes à incidência à sua UPD. Objetivos: Investigar a incidência da primeira UPD por meio da revisão sistemática e metanálise, e por meio da metaregressão analisar a influência das variáveis Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), hemoglobina glicada e tempo de acompanhamento dos participantes na incidência da primeira UPD. Método: Trata-se de uma Revisão sistemática com metanálise de estudos de coorte seguindo as recomendações PRISMA. Para elegibilidade dos estudos a questão de pesquisa foi adaptada para construir o acrônimo PECOS, o mesmo refere-se à População: pacientes com DM; Exposição: pacientes com UPD; Comparação: não se aplica; Desfecho (Outcome): incidência da primeira UPD e Tipo de Estudo (Study design): estudos de coorte. O protocolo para realização de revisão sistemática foi registrado na Base de registros de protocolos de revisões sistemáticas (PROSPERO), sob o código CRD42021234640. A pesquisa foi realizada nas bases de dados: Medline via PubMed, Embase, Lilacs via Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), Scopus e Web of Science. No intuito de não reduzir a sensibilidade do estudo não foram estabelecidos limites quanto ao idioma e ano de publicação. As buscas foram iniciadas em agosto de 2020 e atualizadas no dia 30 de julho de 2021. Com a finalidade de avaliar a qualidade dos artigos e inclui-los na metanálise foi utilizada a escala de Newcasttle-Ottawa. Para leitura e análise de duplicatas foi utilizado o aplicativo Rayyan QCRI e para a metanálise da incidência cumulativa e possíveis associações de variáveis o software R no pacote de dados Metaprop com intervalo de confiança de 95% (IC 95%). Resultados: Até a data de encerramento das buscas (30 de julho de 2021) foram identificadas 5.635 publicações na Medline via PUBMED, 2.284 na Embase, 1.158 na Web of Science, 409 na Scopus e 284 na Lilacs via BVS, totalizando 9.772 artigos. Destes,1.717 (17,6%) foram excluídos por indexação em mais de uma base e 7.968 (81,5%) excluídos durante a leitura de títulos e resumos por não atenderem aos critérios de elegibilidade PECOS e/ou estarem dentre os critérios de exclusão descritos no método. Dos 87 estudos remanescentes para leitura de texto completo, 75 foram excluídos e12 estudos foram incluídos na revisão sistemática e metanálise. A população total da pesquisa foi de 59.268 participantes, com variação de 187 a 17.053 participantes nos estudos primários. A maioria dos estudos aconteceu no continente europeu e não houve pesquisas com populações da América Latina e Oceania. Com exceção do estudo conduzido na Etiópia, os demais foram realizados em países desenvolvidos, IDH > 0,800. Em média o tempo de acompanhamento foi de 9 anos e 5 meses, variando de 4 anos a 15 anos e 4 meses. Apenas um estudo apresentou dados anuais de incidência. Os estudos que avaliaram o controle glicêmico, evidenciaram maiores complicações associadas ao aumento da hemoglobina glicada. A incidência cumulativa metanalisada foi de 5,65% (IC 95%: 4,20; 7,57). Por meio da metaregressão, identificou-se associação inversa significativa entre incidência da UPD e IDH (estimativa -2,38; IC 95% -4,10--0,67; p = 0,01). Conclusão: O estudo apresenta a incidência cumulativa para primeira UPD, dado inexistente na literatura nacional e internacional, além de identificar associação inversa significativa entre incidência da UPD e IDH. Exceto América Latina, todos os continentes são representados com ao menos um estudo na metanálise, mesmo que não distribuído homogeneamente nos mesmos. Apenas um estudo primário é de uma localidade considerada em desenvolvimento. Os dados sugerem a necessidade de realização de estudos primários que apresentem a incidência ano a ano da primeira UPD e representativos de todos os continentes e em países em desenvolvimento e desenvolvidos com destaque para a América Latina. A incidência de UPD é um parâmetro que contribui na avaliação dos serviços prestados às pessoas com DM para traçar medidas adequadas de investimento e cuidado.