PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA COM ESTOMIA EM UM MUNICÍPIO DO SUL DO BRASIL

Autores

  • ROSAURA SOARES PACZEK PMPA
  • ERICA ROSALBA MALLMANN DUARTE UFRGS
  • RITA DE CÁSSIA DOMANSKY HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA
  • GABRIELLI DE OLIVEIRA LIMA UFRGS
  • RAFAELA LINCK DAVI UFRGS

Resumo

Introdução: O número de indivíduos vivendo na rua e em albergues tem aumentado a cada ano, colocando questões importantes para as políticas públicas, sobretudo para a saúde, uma vez que o acesso limitado a determinados bens e serviços prejudica a qualidade de vida e aprofunda as necessidades sociais em saúde¹. Estimativa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada informa que há quase 222 mil pessoas vivendo nas ruas no Brasil². Ter um estoma ocasiona muitas mudanças na vida e no cotidiano da pessoa, causando prejuízo à qualidade de vida, com alterações físicas e psicológicas, e impacta a sua autoestima³. A pessoa com estoma precisa de uma atenção redobrada à higiene corporal, à alimentação, aos cuidados com a pele, assim como ter acesso aos equipamentos para realizar os cuidados com o estoma, problemas ainda mais difíceis para quem está em situação de rua. A literatura sobre população de rua e sobre cuidados com estomia não responde às especificidades da assistência prestada ao paciente, em sua integralidade, no que se refere aos cuidados em usuários com estomias. A literatura é escassa quanto à temática dos cuidados a PSR com estomia. Objetivo: Conhecer a realidade das pessoas em situação de rua, com estomias, no município de Porto Alegre/RS, avaliando as estratégias destes sujeitos para lidar com as dificuldades e as precariedades da vida na rua. Método: Trata-se de uma pesquisa exploratória, com metodologia qualitativa etnográfica, realizada de maio de 2021 a junho de 2022, em que foram observadas pessoas em situação de rua que possuem estomia. Os dados foram coletados por meio de entrevistas, dados de prontuários, sistema informatizado de cadastro dos pacientes com estomia, pesquisa de campo e observação participante. Os participantes foram identificados por apelidos para manter a privacidade, confidencialidade e o anonimato dos mesmos. O questionário da entrevista foi realizado com perguntas abertas e fechadas, seguindo um roteiro estruturado. Durante a pesquisa de campo, a busca pelos participantes ocorreu nos bairros próximos ao centro, onde existe uma maior concentração de pessoas em situação de rua. As entrevistas foram realizadas no consultório do centro de referência e na sede de uma Organização Não Governamental de uma comunidade onde um dos participantes permanecia a maior parte de seu tempo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, CAAE: 45171021.2.0000.5338, sob parecer de nº 4.676.428. Resultados: A média de idade dos participantes foi de 41 anos, três deles são do sexo masculino, metade é da cor branca e a outra metade declara-se negra. Quanto à procedência, a maioria era da capital, com tempo máximo de 24 anos em situação de rua. Todos os participantes possuem estoma de eliminação intestinal. Em relação ao tempo com estomia, a média ficou em dois anos e meio e o motivo que mais apareceu foi trauma por arma de fogo. Sobre o motivo de estarem na rua, eles relataram o uso de drogas, as desavenças familiares e a oportunidade de ter liberdade. Um relatou que parou de usar drogas há um mês, outro afirmou que ainda possui contato com a família e um referiu ter Aids como comorbidade. A renda dos participantes vem do governo, como Bolsa Família e Auxílio Emergencial. Quanto ao estado civil, metade era solteira e metade, separada e todos tinham, pelo menos, um filho. Durante a coleta de dados, foi observado que os participantes não queriam ser encontrados, pois marcavam encontro com dia, hora e local, percebeu-se que o local não era onde costumam ficar, mas que foram somente para encontrar os pesquisadores. Um disse que não ficava sempre no mesmo lugar, que seria difícil encontrá-lo na rua. Já era sabido que esta população muda sua localização tanto dentro da cidade como também muda de cidade ou de Estado. Os participantes da pesquisa e o pesquisador demonstraram segurança e conforto durante os encontros, pois se desenvolveu um vínculo, sendo que o contato ocorreu de forma tranquila e com boa interação. Não foi observada relação entre frequentar albergue e ter melhores condições de higiene, pois todos os participantes realizavam o autocuidado com o estoma e, normalmente, estavam com roupas limpas. Porém, aquele que consumia mais drogas era o mais descuidado, vinha com roupas molhadas, sujas e, algumas vezes, chegava ao serviço de saúde drogado. As pessoas em situação de rua são cadastradas no serviço de referência e recebem o material necessário para o cuidado com seu estoma, buscam o material e, raramente solicitavam avaliação pela enfermeira, fato que alterou durante a pesquisa, iam ao serviço buscar o material e queriam conversar com a enfermeira. Durante as entrevistas, os participantes ficaram bem à vontade, contaram suas histórias, e percebia-se a alegria deles em ter alguém escutando sobre suas vidas. Sentiram-se importantes e, assim, ocorreu uma maior interação. Passaram a cumprimentar e a solicitar ajuda e informações sobre a troca da bolsa, perguntavam sobre poder fazer cirurgia, enfim, queriam conversar. Independentemente da realização do estudo, todas as vezes que um usuário solicita troca da bolsa, seja devido ao descolamento, extravasamento ou mesmo se estiver sem a bolsa, é realizado o atendimento higienizando a pele, avaliando o estoma e pele periestomal, é realizada a troca do equipamento coletor. Do mesmo modo que, quando um usuário necessita receber um número superior de bolsas para o mês, na consulta de Enfermagem, é avaliada a situação e, havendo realmente a necessidade, é feita uma solicitação junto à Secretaria Estadual de Saúde via sistema informatizado, chamado Gerenciamento de Usuários com Deficiência, sendo solicitado todo o material necessário. De acordo com as condições do usuário em situação de rua, é realizada uma combinação de como ele prefere receber o material mensal, se tem condições de levar tudo, se prefere deixar armazenado no consultório de rua ou se necessita comparecer ao serviço uma vez na semana para retirar esse material. Visto que dormem nas ruas, muitos acabam perdendo tudo o que têm e, muitas vezes, chegavam dizendo que haviam sido roubados. Então, para evitar a perda desse material e não ficar sem ele, é realizada uma conversa para acertar com cada usuário, de forma individual. Quando questionados sobre alimentação, os participantes relataram que comem bolacha, pão, alimentos de doação, ou no albergue. As pessoas em situação de rua, especialmente as que possuem um estoma, detêm uma situação clínica mais complicada de ser tratada, pois acabam ingerindo alimentos inadequados, muitas vezes, retirados do lixo ou estragados, no entanto, é o que conseguem ter acesso, ganham ou acham pelas ruas. Essa alimentação vai afetar o odor e o tipo de consistência das fezes, dificultando o trânsito intestinal, podendo acelerar, deixando mais lento ou causando flatulência. Para alguns participantes, ter a bolsa de estomia parecia não fazer diferença alguma. Um usuário relatou que tinha dificuldade com o equipamento coletor, não conseguia fazer nada e as pessoas de fora tinham nojo dele, não davam emprego, e mencionou que seria melhor estar morto. As limitações do estudo encontram-se nas rotinas de vida dos participantes e na sua condição de moradores de rua devido à locomoção contínua, aos horários alternados e à dificuldade de haver um determinado local para encontrá-los, o que acabou atrapalhando o acesso dos pesquisadores. A carência de estudos que abordem o tema da população em situação de rua com estomias, em especial, dentro da realidade brasileira, para confrontar os dados, também foi um fator limitador desta pesquisa. Conclusão: Pessoas em situação de rua apresentam vulnerabilidades, justamente, por estarem na rua, seu contexto de vida acarreta inúmeras consequências sociais e mentais, e a invisibilidade dessas pessoas, na sociedade e na rede de atenção em saúde, traz questionamentos sobre que atenção e cuidado serão estes, que, teoricamente, existem, mas que, no cotidiano, ainda estão invisíveis. Possuir um estoma é um enorme problema para qualquer pessoa, em todas as etapas da vida, visto que ocorrem alterações físicas, sociais, psicológicas e financeiras. Existe a perda do controle acerca de suas eliminações, sem falar no odor que exala de seu corpo, nos gases que elimina, no constrangimento social, na perda da possibilidade de trabalho, na dificuldade em se adaptar aos equipamentos e em aceitá-los em seu corpo e na sua vida. A pessoa em situação de rua com estoma, associado ao contexto de vulnerabilidade por estar na rua, mereceu a atenção neste estudo. Para essas pessoas possuírem um vínculo com a equipe, para realizar conversas ou pedir ajuda sobre o equipamento coletor, serem conhecidas e reconhecidas, pelos servidores, certamente fará diferença.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Métricas

Carregando Métricas ...

Downloads

Publicado

2024-01-02

Como Citar

SOARES PACZEK, R. ., ROSALBA MALLMANN DUARTE, E. ., DE CÁSSIA DOMANSKY, R. ., DE OLIVEIRA LIMA, G. ., & LINCK DAVI, R. . (2024). PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA COM ESTOMIA EM UM MUNICÍPIO DO SUL DO BRASIL. Congresso Brasileiro De Estomaterapia. Recuperado de https://anais.sobest.com.br/cbe/article/view/555