IMPACTO DA SIMULAÇÃO CLÍNICA NA SATISFAÇÃO E AUTOCONFIANÇA DE GRADUANDOS DE ENFERMAGEM NO CONTEXTO DA AVALIAÇÃO DIFERENCIAL DE PACIENTES COM ÚLCERA VENOSA E ÚLCERA ARTERIAL
Resumo
Introdução: As úlceras de perna são consideradas um problema de saúde pública no Brasil e em todo o mundo. A prevalência de úlceras de perna varia de 0,18% até 5,69% em diferentes países, sendo maior a incidência em indivíduos a partir de 65 anos.1 Entre as etiologias conhecidas da úlcera de perna, as de origem venosa são as mais comuns (70% dos casos), seguidas pelas de origem arterial (10 a 20%) e pelas de etiologia mista (10 a 15%).2 Em relação ao tratamento e aos cuidados dispensados a úlcera de perna, faz-se necessário investigar além da etiologia (hipertensão venosa ou insuficiência arterial), as condições clínicas da úlcera a fim de propor intervenções que sejam adequadas às condições de cada paciente, pois estes fatores são imprescindíveis para o processo de cicatrização. Assim, a avaliação diferencial de indivíduos com úlceras venosas (UV) e úlceras arteriais (UA), contribui para o manejo adequado das feridas, propiciando a redução dos efeitos negativos na qualidade de vida dos mesmos. O uso de terapia tópica sem identificação correta da causa da lesão, retarda o processo de cicatrização e prolonga o tratamento e, com isto, além da elevação dos custos, pode levar a incidência de recidivas e afetar ainda mais a rotina diária dos indivíduos.3 Neste contexto, vale ressaltar que a terapia compressiva, quando utilizada corretamente, pode promover a cicatrização de UV. No entanto, se utilizada incorretamente, poderá atrasar a cicatrização, causar dor, lesões e até mesmo amputação do membro em pessoas com oclusão arterial. Exigindo assim, conhecimento técnico e científico do profissional que realizará a indicação, aplicação e acompanhamento do indivíduo.3 Diante do exposto, considerando que a graduação em Enfermagem emerge como um período oportuno para a aprendizagem técnica, científica e prática de qualidade, especialmente no contexto da assistência aos pacientes com UV e UA, e sabendo que o uso de metodologia ativa, como a Simulação Clínica (SC), possibilita a vivência de situações relacionadas a um contexto clínico pré-determinado e propicia a resolução de cenários similares aos reais4, foram propostos e elaborados dois cenários de SC, com objetivo de oportunizar aos alunos a aprendizagem da avaliação diferencial de indivíduos com UV e UA, com vistas a promover a satisfação e a autoconfiança no processo de ensino-aprendizagem com o uso da simulação clínica como estratégia pedagógica. Objetivo: avaliar o impacto da simulação clínica na satisfação e autoconfiança de graduandos de Enfermagem no contexto da avaliação diferencial de pacientes com úlcera venosa e úlcera arterial. Método: Trata-se de uma pesquisa primária, intervencional, analítica, descritiva e prospectiva com abordagem quantitativa, onde foi aplicado instrumento validado para avaliar a satisfação e autoconfiança dos discentes em relação à SC realizada. A aplicação dos cenários de SC relacionados à “Assistência de Enfermagem à pacientes com úlcera venosa e úlcera arterial” aconteceu no segundo semestre de 2022, em uma Universidade pública da região centro-oeste do Brasil. A pesquisa iniciou-se após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos (Plataforma Brasil – CEP/CONEP) CAEE n° 59843722.1.0000.8097, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram incluídos no estudo 9 discentes membros do Grupo de Estudo e Pesquisa em Feridas e Curativos (GEPFeC), maiores de 18 anos, de ambos os sexos, que aceitaram participar voluntariamente da pesquisa, mediante capacitação teórico-prática e que participaram da SC. Foram excluídos os discentes que não participaram da etapa de capacitação teórica. Os procedimentos do estudo foram desenvolvidos de forma a proteger a privacidade dos indivíduos, que foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa, garantindo a participação voluntária e anônima. Foram aplicados dois cenários de SC compatíveis com um atendimento em uma Unidade Básica de Saúde. No dia da SC os pacientes padronizados foram vestidos com camiseta e bermuda, foi realizada moulage das úlceras (úlcera venosa: lesão em MID, região tibial englobando terço médio e inferior da perna, bordas irregulares, exsudato purulento/amarelado, tecido de granulação, esfacelo e odor desagradável, pele perilesional com alterações tróficas, edema, varizes, hiperpigmentação, lipodermatoesclerose, eczema venoso, pulso periférico sem alteração; úlcera arterial: lesão em região submaleolar esquerda, arredondada, com bordas regulares, necrose de coagulação (pele da pata de porco queimada) e pele perilesional cianótica, cianose periférica na extremidade dos dedos do pé esquerdo e 5° pododáctilo do pé esquerdo necrosado). Aplicado curativo oclusivo em MID e MIE. A duração de cada cena foi de aproximadamente 15 minutos. Cada cenário foi composto por um ator/paciente padronizado e dois discentes membros do GEPFeC para desenvolverem o papel da equipe de enfermagem (um Enfermeiro e um Técnico de Enfermagem), os demais discentes do GEPFeC, apenas assistiram a cena e posteriormente participaram mais ativamente no momento do debriefing. Após a aplicação dos dois cenários os participantes responderam o instrumento denominado “Escala de Satisfação dos Estudantes e Autoconfiança na Aprendizagem” (ESAA), elaborado pela National League for Nursing (NLN), traduzido e validado para a língua portuguesa por Almeida, et al. (2015)5, que possui 13 questões do tipo Likert (1 – 5 pontos), dividido em duas dimensões (satisfação e autoconfiança na aprendizagem). Os resultados da ESAA foram calculados a partir da média(?) e desvio padrão(?) das respostas aos itens correspondentes, assim como da frequência relativa (%). A consistência interna do instrumento foi verificada por meio do alfa de Cronbach. Resultados: Relativo ao perfil sociodemográfico, verificou-se que os discentes tinham entre 20 e 24 anos de idade (66,7%), eram do sexo feminino (77,78%) e estavam matriculados entre o 6° e 9° período de graduação em Enfermagem (66,7%). Ao avaliar os resultados da ESAA verificou-se que o escore médio geral obtido e os escores médios obtidos separadamente nas dimensões de satisfação e autoconfiança foram considerados altos (?>4), o que sugere que houve um alto grau de satisfação e autoconfiança na aprendizagem dos discentes do GEPFeC com o uso da SC como ferramenta para o ensino de habilidades e competências relacionadas à avaliação diferencial de indivíduos com UV e UA. A consistência interna do instrumento foi verificada por meio do alfa de Cronbach (0,81) que corresponde a um valor de análise quase perfeita demonstrando a alta confiabilidade das respostas dos estudantes. A maioria dos alunos (77,78 a 88,89%) concordam totalmente com as afirmativas das questões referentes à dimensão da satisfação com a aprendizagem atual decorrente da aplicação da SC, o que demonstra que acreditam que os métodos de ensino utilizados nestes 2 cenários de SC foram úteis e eficazes; que a SC forneceu uma variedade de materiais didáticos e atividades para promover a aprendizagem do currículo médico-cirúrgico; que gostaram do modo como os professores ensinaram através da SC; que os materiais didáticos utilizados nestes cenários de SC foram motivadores e ajudaram a aprender; e por fim concordam que a forma como o professor ensinou através da SC foi adequada para a forma como aprendem. Já em relação à dimensão de autoconfiança na aprendizagem, foi observado que o valor mínimo atribuído pelos participantes foi de um (?=1) referente a alternativa discordo totalmente, ao verificar mais detalhadamente qual afirmativa se relacionava a este valor, foi possível observar que a questão refere-se à responsabilidade do professor em dizer o que o aluno precisa aprender na temática desenvolvida na simulação durante a aula. Esta afirmativa foi a que obteve maior variabilidade de respostas entre os participantes (evidenciado pelo ?=1,42). Em contrapartida 100% dos participantes concordam totalmente que é sua responsabilidade, como aluno, aprender o que precisa saber através da atividade de simulação, demonstrando que apesar dos discentes concordarem que são os principais responsáveis pelo seu próprio aprendizado através da SC, não há um consenso pertinente a responsabilidade do professor em dizer o que ele precisa aprender sobre o tema trabalhado na SC. Nas demais afirmativas relacionadas à autoconfiança na aprendizagem a maioria dos participantes concordaram ou concordaram totalmente (88,9 a 100%) que a SC foi útil e eficaz; gostaram do modo como o professor ensinou através da simulação; sentiram-se confiantes de que dominavam o conteúdo e estavam confiantes no desenvolvimento da habilidade a partir da simulação. Além do exposto, os resultados proporcionaram aos docentes do GEPFeC uma reflexão sobre as estratégias de ensino adotadas, assim como os cenários trabalhados, o que reforça a importância da utilização de metodologias ativas, que estimulam tanto os discentes quanto os docentes. Conclusão: A estratégia pedagógica adotada com aplicação de dois cenários de SC simultâneos (de UV e UA), demonstrou ser uma ferramenta com grande potencial para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem da Assistência de Enfermagem aos indivíduos com UV e UA, e foi capaz de promover além da satisfação e autoconfiança na aprendizagem, o desenvolvimento de raciocínio crítico/reflexivo, e habilidades e competências necessárias para a avaliação diferencial destes dois tipos de úlceras comuns em MMII. A limitação deste estudo está relacionada ao número restrito da amostra, sendo necessárias mais pesquisas nessa área. Ainda assim, acredita-se na importância da divulgação de experiências exitosas com o uso de SC, podendo possibilitar que discentes de outras realidades desenvolvam habilidades e competências essenciais para uma Assistência de Enfermagem de qualidade e segura aos indivíduos com UV e UA.