FATORES ASSOCIADOS A INCONTINÊNCIA URNÁRIA EM UMA POPULAÇÃO URBANA DA AMAZONIA BRASILEIRA
Resumo
Introdução: A incontinência urinária (IU) é definida pelo International Continence Society (ICS) como queixa de perda involuntária de urina que acomete homens e mulheres de todas as idades (1). Considerada uma condição de saúde com índices notáveis na população mundial com problemas higiênicos e sociais gerados, com repercussões que se manifestam de maneira diversa, desde isolamento social, culminando a uma representação de indivíduos deprimidos, psicologicamente estressados e com distúrbios emocionais (2). Na prática clínica, a IU tem sido frequentemente negligenciada repercutindo em grande impacto negativo e de alto custo econômico tanto para o sistema de saúde quanto para a pessoa com IU (3). Estudos epidemiológicos aplicados da região norte do Brasil são escassos e os estudos encontrados (4-5), não investigaram uma ampla população adulta. Coari, cenário deste estudo, é um Município brasileiro com uma representatividade social, econômica e em serviços de saúde dentre os municípios da calha do médio Solimões e interior do Estado do Amazonas e, mesmo que caracteristicamente urbano, apresenta condições de acesso e logística em saúde similar à de áreas remotas. Assim, este estudo buscou responder a questão: Quais os fatores associados a IU na população urbana do Município de Coari, AM? Objetivo: Analisar fatores demográficos, comportamentais e de saúde associados à ocorrência de IU em uma população urbana do interior do Estado do Amazonas. Método: Estudo transversal, de base populacional, realizado na zona urbana do município de Coari, Amazonas. Foram entrevistadas 300 pessoas em um total de 262 domicílios, sendo que 17 entrevistas foram descartadas: 10 moradores de área rural, 02 autodeclarados indígenas e 05 não completaram o ICIQ-SF. Ao todo foram utilizadas 283 entrevistas. A coleta de dados foi realizada por agentes comunitários de saúde voluntários, devidamente capacitados, nas residências da área de cobertura da unidade de saúde onde exercia suas funções. O instrumento utilizado continha questões sobre as variáveis independentes: sociodemográficas, de saúde, hábitos de uso de banheiro e alimentação. Todas as informações foram auto informadas pelo participante. A variável dependente “IU” foi avaliada pelo International Consultation on Incontinence Questionnaire-Short Form (ICIQ-SF) versão em português brasileiro5 e a amostra classificada em “com IU” e “sem IU”. Os dados foram analisados por estatística descritiva e inferencial. Foram aplicados para variáveis categóricas os Testes qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher; para variáveis quantitativas o teste t de Welch, teste t de Student ou Wilcoxon-Mann- Whitney. Regressão logística binária foi aplicada para identificar os fatores associados à IU. Um processo computacional automatizado Least Absolute Shrinkage and Selection Operator (LASSO) foi executado para a seleção das variáveis elegíveis ao modelo de regressão. Para todas as análises foi considerado nível de significância de 5% (p<0,05) e intervalo de confiança de 95%. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas sob Parecer no. 5.192.737 de 04 de janeiro de 2022. Todos os participantes foram orientados sobre a pesquisa e apresentaram sua anuência, por meio da assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Resultados: A prevalência de IU foi de 25,44% (72/283 pessoas). A maior parte da amostra foi constituída de mulheres (205/72,44%) e a idade média do grupo foi de 41,14 anos (DP=16,58) com mediana de 39 anos. A análise de independência entre grupos “com IU” e “sem IU” mostrou diferença estatística significativa para estatura (p<0,001) e prática de exercícios físicos (p=0,015), depressão (p=0,001) e insônia (p<0,001), assim como o consumo de anti-inflamatórios (p=0,013), internação hospitalar para tratamento da COVID-19 (p=0,005), ter apresentado disúria nos últimos 12 meses (p<0,001), infecção do trato urinário nos últimos 6 meses (p<0,001), laceração na região anal (p=0,015), síndrome do intestino irritável (p=0,015) e ter realizado cirurgia na região abdominal e/ou pélvica (p<0,001), número de gestações (p=0,014), número de partos (p=0,025), episiotomia (0,025), cistocele (<0,001) e o consumo de pimenta de cheiro durante os últimos 3 dias (p=0,017). Para a análise de regressão logística o n foi de 222, considerando o número de participantes que responderam a totalidade das variáveis de interesse para a regressão. O processo LASSO indicou ao modelo os seguintes fatores preditores à IU a prática de exercícios físicos, atraso na micção em casa, esvaziamento da bexiga em casa, disúria nos últimos 12 meses, insônia, ITU nos últimos 6 meses, cirurgia abdominal/pélvica e cistocele, com área sob a curva ROC=0,845, 95%IC (0,788- 0,902). Segundo a regressão logística, foram associados à IU: disúria (OR 2,53; 95%IC 1,14-5,71; p=0,024), insônia (OR 3,28; 95%IC 1,41-7,74; p=0,006), infecção do trato urinário mais de uma vez nos últimos 6 meses (OR 17,11; 95%IC 3,11-141,28; p=0,003), cirurgia abdominal/pélvica (OR 4,82; 95%IC 2,24-10,83; p<0,001) e cistocele (OR 4,06; 95%IC 1,15-16,31; p=0,035). A medida de pseudoR2 para o modelo proposto foi McFadden (0,444); Cox-Snell (0,284); Nagelkerke (0,418); Tjur (0,329). Conclusões: Os fatores associados refletem condições relacionadas ao histórico de saúde, apontando a necessidade de rastreio de IU e implementação de práticas de cuidado e assistência à pessoa com IU já na atenção primária para a prevenir um aumento na prevalência de IU na população Coariense e em outras regiões do país. O estudo apresentou limitações no que tange às peculiaridades da pesquisa desenvolvida no contexto amazônico ao considerar questões de acessibilidade a áreas urbanas de difícil acesso, como casas flutuantes, por exemplo. Além disso, na operacionalização deste estudo, a limitações de recursos financeiros, dentre outros, impôs a necessidade de observações no limite do tamanho amostral calculado para domicílios, o que limitou a avaliação de indivíduos que compõem toda a população. Como contribuições para a prática clínica, os achados trazem um alerta para a necessidade de integrar o inquérito sobre saúde urinária no atendimento à população em geral, sejam adultos jovens, adultos em geral e idosos, para identificar e tratar a IU ao aparecimento das primeiras perdas urinárias. Ademais, inquirir sobre IU em indivíduos com história de cirurgias na região abdominal e/ou pélvica e como seguimento após tratamento farmacológico de ITU diagnosticada pode proporcionar eficiência na prevenção do aparecimento de IU. Outra questão relevante é considerar identificar o afastamento social, assim como avaliar sintomas de depressão em indivíduos com IU e vice-versa, ainda dentro do contexto da atenção primária.