PREVALÊNCIA DO PADRÃO DE INCONTINÊNCIA ANAL EM ADULTOS DE UM MUNICÍPIO NO INTERIOR DO AMAZONAS
Resumo
Introdução: O padrão de incontinência anal (PIA) é definido como a perda involuntária de fezes, líquidas ou sólidas, sendo uma condição multifatorial.1 Vários fatores podem contribuir para os sintomas dos pacientes, como sexo, idade, estilo de vida, diabetes mellitus, distúrbios neurológicos, lesão obstétrica ou cirúrgica, fezes moles ou aquosas e impactação fecal.2 Em geral, o conceito de etiologia é mais utilizado na prática clínica, enquanto pesquisas epidemiológicas identificam as condições associadas e os fatores de risco ao fenômeno.2 Apesar de ter grande impacto na qualidade de vida individual,1 há sub investigação e subnotificação dessa condição, sendo necessários estudos epidemiológicos para sua caracterização formal. Objetivo: Avaliar a prevalência do PIA em adultos da população urbana de Coari- Amazonas e suas associações com as variáveis sociodemográficas e clínicas. Métodos: Trata-se de uma análise secundária dos dados de um estudo epidemiológico, de base populacional, do tipo transversal e analítico, realizado no município de Coari, Amazonas, Brasil. Os dados utilizados para o presente estudo são referentes à fase hidrológica de seca do Rio Solimões-Amazonas, já que o estudo primário foi desenvolvido também na fase hidrológica de inundação. Os critérios de elegibilidade adotados foram: ter idade maior ou igual a 18 anos e residência fixa no município há mais de seis meses. Participaram do estudo, todos os adultos presentes no domicílio durante o período da coleta, totalizando uma amostra de 457 indivíduos. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), com o número de parecer 4.981.448/CAAE: 51494521.2.0000.5020. O instrumento utilizado na coleta de dados foi subdividido em quatro sessões: Questionário de dados sociodemográficos, clínicas e estilos de vida; Avaliação do Hábito Intestinal na Comunidade3, Recordatório Alimentar de 24h e Tabela de Consumo Alimentar4 e Escala de Bristol para Consistência das Fezes5.Para este estudo secundário, selecionaram-se algumas das variáveis sociodemográficas, clínicas e de estilo de vida e características da perda anal do estudo primário para as análises estatísticas. A seleção foi baseada na literatura.1,2 A força das associações entre a variável dependente e os fatores de interesse foi medida por meio de razão de prevalência (RP) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%), estimadas pelo Teste do Qui-quadrado de Pearson e Teste Exato de Fisher. Para a avaliação dos fatores associados à presença do PIA, empregou-se regressão logística multivariada. O PIA foi estabelecido a partir das respostas afirmativas dos respondentes às perdas fecais, extraídas do instrumento de coleta de dados. Resultados: Na amostra estudada, a prevalência do PIA foi 4,38% (20/457), com predominância para o sexo feminino 60%(12/20), de cor parda 75%(15/20), ensino fundamental incompleto 40%(8/20) e solteiros 55%(11/20). Quanto às condições clínicas, dentre os participantes com PIA, verificaram-se diabetes mellitus 25%(5), hipertensão arterial sistêmica 35%(7), doenças osteomusculares 30%(6) como morbidades; quanto aos hábitos, somente 20%(4) praticavam atividade física e 25%(5) eram fumantes. Cirurgias ginecológicas e obstétricas ocorreram em um terço dos participantes incontinentes; 8 mulheres apresentaram parto normal e 6, cesariana. Algumas doenças anais foram detectadas, destacando-se as hemorroidas 20%(4). Quanto às características das perdas fecais, destacaram-se: prevalência de frequência evacuatória uma vez por dia 35%(7) e mais de três vezes por dia 25%(5), consistência das fezes de acordo com a Escala de Bristol, 25%(5) para o tipo 6 e 35%(7) para o tipo 7. Além disso, 22 dos 457 participantes responderam sim em relação à pergunta de perda de fezes acidental do Questionário de dados sociodemográficos, clínicas e estilos de vida. Destes 22, 45,45%(10) perderam fezes no período de até 6 meses, 54,55%(12) com quantidade de perda pequena, 77,27%(17) enquanto estão acordados; 45,45%(10) relataram como às vezes a frequência de perda líquida amolecida, e 50,00%(11) como nunca a frequência de perda sólida formada, 31,82%(7) relataram como nunca ou às vezes a percepção da iminência da perda, além de 36,36%(8) frequentemente terem percepção da perda acontecendo; 77,27%(17) ressaltam a importância de banheiro próximo, 54,55%(12) fazem uso de medicação para perda de fezes às vezes, quase todos nunca usam protetor íntimo 95,45%(21). A Tabela 1 mostra os resultados da regressão logística relacionada aos fatores clínicos associados à ocorrência de PIA na amostra total (N=457). Tabela 1 – Prevalência de PIA para as associações entre a presença de PIA e as variáveis clínicas na amostra total. Coari, Amazonas, 2021. Variável Categorias % Limite inferior IC (95%) Limite superior IC (95%) DM Não 88,84 85,61 91,43 Sim 11,16 8,57 14,39 HAS Não 74,84 70,66 78,60 Sim 25,16 21,40 29,34 DROC Não 94,75 92,27 96,48 Sim 5,25 3,52 7,73 Doenças Gastrointestinais Não 97,16 95,15 98,38 Sim 2,84 1,62 4,85 Doenças Osteomusculares Não 81,62 77,80 84,91 Sim 18,38 15,09 22,20 Transtornos Mentais Não 92,34 89,51 94,47 Sim 7,66 5,53 10,49 Distúrbio do sistema nervoso Não 92,12 89,26 94,28 Sim 7,88 5,72 10,74 AVE Não 97,81 95,96 98,86 Sim 2,19 1,14 4,04 Atividade física Não 61,27 56,73 65,63 Sim 38,73 34,38 43,27 Tabagismo Não fumante 89,50 86,33 92,01 Fumante ocasional 1,31 0,53 2,91 Fumante 9,19 6,85 12,21 Etilismo Abstinente 66,74 62,29 70,91 Raramente 10,50 7,99 13,67 Uso ocasional 2,63 1,46 4,58 Uso semanal 18,60 15,29 22,46 Uso diário 1,53 0,68 3,19 Filhos Não 14,91 11,41 19,23 Sim 85,09 80,77 88,59 Dados perdidos 29,54 - - Parto normal Não 30,12 25,37 35,35 Sim 69,88 64,65 74,63 Dados perdidos 29,54 - - Parto cesariana Não 67,81 80,09 88,04 Sim 32,19 27,30 37,50 Dados perdidos 29,54 - - Cirurgia retal Não 99,56 98,31 99,99 Sim 0,44 0,01 1,69 Trauma anorretal Não 98,25 96,51 99,17 Sim 1,75 0,83 3,49 Dados perdidos 0,22 - - Laceração Não 84,47 80,09 88,04 Sim 32,19 27,30 37,50 Nunca deu à luz 15,22 11,68 19,57 Dados perdidos 29,54 - - Abscesso Não 96,50 94,35 97,88 Sim 3,50 2,12 5,65 Fístula anal Não 98,69 97,09 99,47 Sim 1,31 0,53 2,91 Fissura anal Não 97,59 95,69 98,70 Sim 2,41 1,30 4,31 Cólon espástico Não 89,72 86,57 92,20 Sim 10,28 7,80 13,43 Hemorroida Não 87,09 83,69 89,87 Sim 12,91 10,13 16,31 Radioterapia Não 99,12 97,69 97,88 Sim 0,88 0,26 2,31 Fonte: elaborada pelos próprios autores Conclusão: A prevalência do PIA na amostra populacional amazonense (4,38%) condiz com a literatura nacional, que varia de 2 e 20,7%.1 Essa variação ampla pode ser justificada pelas diferenças nos métodos para coleta de dados, critérios para classificação do PIA e resultados de grupos específicos.2 Salienta-se que estimar a prevalência na população é algo complexo, pois além dos instrumentos dos instrumentos e métodos operacionais para sua definição serem variados, fatores culturais, geográficos, culturais e até mesmo a percepção do indivíduo podem influenciar nessa definição. Devemos levar em consideração que as consequências emocionais podem se sobrepor às manifestações físicas, o que pode acabar interferindo nas estimativas de incontinência. Além disso, os dados são subestimados principalmente porque a maioria dos pacientes não relata essa condição para seus médicos devido ao constrangimento, sendo necessárias, portanto, novas pesquisas epidemiológicas sobre o PIA. Entre os indivíduos com PIA, predominou a frequência evacuatória de uma vez por dia, seguida de mais de três vezes por dia; com os tipos 7 e 6 de consistência fecal (Escala de Bristol), o que também vai ao encontro dos Critérios de Roma.2 Quanto aos fatores associados à presença de PIA, destacaram-se DM, HAS, transtorno mentais, distúrbio do sistema nervoso, parto normal, laceração, cólon espástico, hemorroida, também compatíveis com os estudos epidemiológicos brasileiros e internacionais, inexistindo estudos da Região Amazônica. Tendo em vista tratar-se de estudo transversal, recomenda-se a realização de estudos locais de incidência, mais ampliados, buscando-se ratificar nossos achados. O estudo é inédito na região e contribui para as evidências epidemiológicas sobre o PIA, tanto na Região Amazônica quanto em nosso país.