PREVALÊNCIA DO PADRÃO INTESTINAL DA POPULAÇÃO URBANA E FATORES ASSOCIADOS NOS EVENTOS CLIMÁTICOS (SECA E INUNDAÇÃO) EM MUNICÍPIO DO INTERIOR DA AMAZÔNIA BRASILEIRA
Resumo
Introdução: Estudos que buscam avaliar o padrão intestinal de diferentes populações, com o objetivo de identificar ou prevenir sintomas associados à função intestinal anormal ou indesejável, têm sido considerados relevantes para a comunidade científica1. Diversos fatores podem influenciar no padrão intestinal normal e suas alterações, dentre eles idade, sexo, ingestão hídrica e alimentação inadequada, sedentarismo, etilismo, tabagismo, comorbidades dentre outros2. Desse modo e devido à insuficiência de estudos acerca dos padrões intestinais, normal e alterados, na Região Amazônica e à influência de alguns aspectos mais locais como os eventos hidro climáticos e a alimentação, optou-se pela realização deste estudo que poderá contribuir para a construção das ciências na Amazônia e para a discussão das dinâmicas do espaço nessa região bem como aumentar as evidências epidemiológicas acerca do tema. Objetivos: avaliar a prevalência dos padrões intestinais em adultos da população urbana do município de Coari-Amazonas e as suas associações com as variáveis sociodemográficas, clínicas, estilos de vida e consumo alimentar, nas fases hidrológicas de seca e inundação dos rios locais. Material e Métodos: Trata- se de um estudo epidemiológico, de base populacional, do tipo transversal e analítico. A população foi constituída de todos os indivíduos adultos residentes na área urbana. Para o cálculo amostral, foi considerada prevalência máxima esperada do desfecho de 50% de padrão intestinal normal, nível de confiança de 95% e margem de erro de 5%. O plano de amostragem foi elaborado com base em técnicas de processos probabilísticos com estratificação em 3 estágios: seleção dos bairros, quantidade de domicílios a serem visitados por bairro e identificação do domicilio por sorteio. Após cálculo amostral do tipo domiciliar, a amostra foi composta de 445 domicílios. Incluíram-se no estudo indivíduos com idade igual ou superior a 18 anos, mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e que fossem residentes no município há mais de seis meses. A coleta de dados ocorreu em dois momentos, conforme a fase hidrológica de seca (novembro/dezembro de 2021) e de inundação (maio/junho de 2022). Um instrumento subdividido em sessões (Sessão A – Dados Sócio demográficos, Clínicos e Estilos de Vida; Sessão B – Hábito Intestinal da População Geral3; Sessão C – Alimentação: Recordatório Alimentar de 24 horas4 e Tabela de Frequência de Consumo Alimentar; e Sessão D – Caracterização das fezes: Escala de Bristol para Consistência das Fezes5 (EBCF) foi empregado durante a coleta de dados. Os dados coletados foram analisados utilizando-se o programa estatístico R versão 4.2.3, por meio dos seguintes testes estatísticos de associação Qui-quadrado (?2) de Pearson; Exato de Fisher; Bhapkar, Wilcoxon signed rank e Kruskal-Wallis; a Regressão logística foi realizada empregando- se o Método de Interação Tripla do Modelo Log-linear para Tabelas de Contingências; o Modelo de Efeitos Mistos Generalizados para Família Multinominal, que buscou avaliar a associação das variáveis de interesse com o padrão intestinal e fase hidrológica, e o Teste de Cochran-Mantel-Haenszel (CMH), que verificou a associação das variáveis de interesse com o padrão intestinal independentemente da fase hidrológica. Para todas as análises, considerou-se significância estatística ao nível de 5%. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa/UFAM sob o parecer n° 102559/2021 e CAAE 51494521.2.0000.5020. Resultados: 457 indivíduos participaram da investigação durante a fase hidrológica da seca e, desses, 376 na inundação. Quanto às características sociodemográficas, a maioria tinha entre 18 e 29 anos, em ambas as fases. Com relação à raça, predominou a cor parda (65,43% 2 66, 22%, respetivamente para seca e inundação); cerca de um terço dos participantes informou ensino médio completo na seca (37,42%) e inundação (36,44%). Indivíduos solteiros prevaleceram, com cerca de 40% nas duas fases. As ocupações profissionais dispersaram-se entre os grupos, com mais de 67% da amostra com atividades indefinidas. Quanto aos dados de caracterização e consistência das fezes, a frequência evacuatória de uma vez por dia predominou em mais de 40% dos entrevistados; embora a maioria tenha relatado ausência de esforço evacuatório em ambas as fases, houve diferença estatisticamente significante entre as respostas dos entrevistados (p=0,003). Tais diferenças também ocorreram para fezes soltas/aquosas (p=0,025) e endurecidas (p=0,004), segundo a fase hidrológica; 67% da amostra informaram que nunca apresentaram sensação de esvaziamento retal incompleto durante a inundação, o que foi referido, no entanto, por quase 36% da amostra, às vezes, durante a seca (p<0,001). Quanto aos padrões intestinais analisados na investigação, houve prevalência do normal (PIN) na fase hidrológica da seca (73,52%) e inundação (74,47%), seguido do constipado - PIC (22,10% e 19,95%) e de incontinência anal- PIA (4,38% e 5,58%), respectivamente nas fases hidrológicas. O Modelo de Efeitos Mistos Generalizados para Família Multinominal mostrou diferença estatisticamente significante entre renda familiar e PIA (p=0,002) e ingestão hídrica e PIC (p<0,001). A Interação Tripla do Modelo Log-linear para Tabelas de Contingências mostrou evidências significantes entre PIC e as variáveis trauma anorretal (p=0,045); uso de analgésicos (p=0,041); e lanche da manhã/grupo 1 PIC (p=0,022). O Teste de CMH mostrou evidências estatisticamente significantes entre: 1) sexo e padrão intestinal (p<0,001), onde o PIN e o PIA foram associados ao sexo masculino (médias de 82,78% e 7,54%, respectivamente), enquanto o PIC associou-se ao sexo feminino (média de 25,78%); 2) doenças/ cirurgias e padrão intestinal, onde diabetes associou-se ao PIA (p=0,029); doenças osteomusculares ao PIC (p=0,026); fistula anorretal ao PIA (p=0,009); fissura anorretal ao PIA (p=0,006); hemorroida ao PIC (p<0,001); uso de outros medicamentos ao PIA (p<0,001); cirurgias gineco-obstétricas ao PIC (p=0,048); cirurgias ortopédicas ao PIC (p<0,001); 3) histórico de filhos e padrão intestinal, onde o histórico associou- se ao PIC e PIA (p=0,038); 4) estilos de vida e padrão intestinal, onde a atividade física associou-se ao PIC (p=0,001) e tabagismo ao PIA (p=0,006); 5) consumo alimentar e padrão intestinal, onde o consumo de tubérculos e raízes associou-se ao PIN; baixo consumo de tubérculos de raízes ao PIC (p=0,040); consumo de ultraprocessados ao PIA (p=0,035); e consumo de carboidratos ao PIA (p=0,024). Na literatura há escassez ou inexistência de dados locais para discutir nossos achados, o que corrobora a relevância epidemiológica do estudo para a epidemiologia e sua translação para a prática em saúde não só em nosso meio. Embora transversal, a pesquisa confirma que fatores comportamentais, culturais e estilos de vida podem favorecer a ocorrência de problemas intestinais, podendo variar de pessoa para pessoa, levando à necessidade de aprofundamento e ampliação da sua investigação. Conclusões: o presente estudo constitui investigação inédita sobre os padrões intestinais da população geral na Região Amazônica, sob a influência dos eventos climáticos de inundação e seca. Os índices de prevalência dos padrões intestinais normal, constipado e de incontinência anal são similares aos dados encontrados na literatura geral e inúmeros fatores mostraram-se associados na comparação entre eles. Espera-se que nossos resultados possam subsidiar a elaboração de estratégias de saúde para a população local e residente em ambiente climático similar, contribuir para o crescimento do conhecimento na área e para o estabelecimento de protocolos preventivos saudáveis, visando à manutenção ou desenvolvimento de padrões intestinais adequados.