REFLEXÕES SOBRE EMPREENDEDORISMO E DIMENSÕES ÉTICO-POLÍTICAS NOS CURRÍCULOS DE GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
Resumo
INTRODUÇÃO Historicamente, a enfermagem é uma profissão ligada ao cuidado direto aos pacientes em diferentes contextos de saúde. No entanto, essa profissão vem identificando lacunas e necessidades não atendidas, oportunizando espaços para empreender1. A autonomia do enfermeiro para empreender já é assegurada pela Lei 7.498/86 e pelas Resoluções 358/19, 568/18 e 606/19 do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN)2. Assim, de modo a preparar os alunos para enfrentar os desafios e as demandas do mercado de trabalho, por meio do desenvolvimento de atitudes empreendedoras, algumas Instituições de Ensino Superior (IES) estão enfatizando o empreendedorismo nos planos curriculares dos cursos de enfermagem3. Para que o profissional enfermeiro desempenhe suas atividades de forma ética e política, é necessária uma consciência sólida de seus direitos e deveres e a compreensão dos princípios éticos que norteiam a profissão, tanto no cuidado direto ao paciente quanto na gestão de negócios. Nas dimensões políticas, deve haver a compreensão do contexto político, social e econômico em que a prática da enfermagem ocorre3,4. Essas dimensões também cabem à continuidade da formação do enfermeiro em especialidades dentro da área, como a estomaterapia que requer um profundo conhecimento técnico, ético e legal acerca do empreendedorismo5. Desse modo, compreendendo a necessidade de uma base sólida acerca dessa temática na formação do enfermeiro, o objetivo deste estudo foi analisar a abordagem dos conteúdos relacionados ao empreendedorismo nas dimensões ético- políticas em documentos curriculares dos cursos de graduação em enfermagem do Nordeste do Brasil. MÉTODO Trata-se de uma pesquisa documental, de natureza descritiva. A pesquisa teve início em junho de 2021 com a verificação, no site do Ministério da Educação - e-MEC (https://emec.mec.gov.br/), de quais instituições oferecem cursos em enfermagem na região Nordeste do Brasil. Desse modo, dentre as 705 IES registradas no Nordeste brasileiro, a população do estudo foram as 412 IES que continham cursos de enfermagem. Foram coletadas nos sites institucionais informações referentes a Projetos Políticos Pedagógicos (PPP), Projetos Pedagógicos do Curso (PPC) e/ou de ementas curriculares das disciplinas para download. Os critérios para inclusão das instituições participantes desta pesquisa foram: possuírem PPP, PPC e/ou ementas curriculares de disciplinas/módulos que abordassem o tema empreendedorismo e/ou empreendimento para enfermagem, disponíveis em meio eletrônico. Como critérios de exclusão: instituições com documentos incompletos ou com cursos ainda não iniciados. As variáveis quantitativas coletadas foram analisadas pelo software Statistical Package for Social Science (SPSS®), realizado o teste-T de uma amostragem, nas dimensões de frequência relativa e absoluta, desvio padrão, Intervalo de Confiança (IC 90%). Adotou-se para o estudo o nível de significância p ?0,05. Os textos foram transcritos no Programa LibreOffice Writer, versão 5.4, para possibilitar análise pelo software Interface de R pour L Analyses Multidimensionnelles de Textes L de Questionnaires (IRAMUTEQ®), versão 0.7 alfa 2 (9). Foram realizadas Análises lexicográficas clássicas, sendo desconsideradas as palavras com ?2 < 3,80 (p < 0,05), bem como a Análise de Similitude. Não houve necessidade de aprovação por parte do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP). RESULTADOS Dentre as 412 IES que ofertavam o curso de graduação em enfermagem encontradas no sistema E-Mec, apenas 54 disponibilizavam PPP e/ou ementas e apenas 37 tinham estes documentos disponíveis na íntegra para domínio público. Por fim, foram selecionados os documentos que apresentavam em suas disciplinas, bases acerca do empreendedorismo e/ou empreendimento, resultando num total de 17 IES incluídas. Dentre os nove estados do Nordeste do Brasil, apenas seis tiveram suas IES elegíveis para esta pesquisa. Os Estados que mais apresentaram IES foram o Ceará (n=7), seguido da Bahia (n=4). Além disso, 94,1% das IES do estudo apresentaram seu curso em modalidade presencial e 64,7% se tratavam de instituições privadas de ensino. Quando avaliados os documentos, as disciplinas que apresentaram conteúdos acerca do empreendedorismo foram 94,1% teóricas e 5,9% práticas. As disciplinas nos PPP, PPC e/ou ementas que apresentaram bases acerca do empreendedorismo foram: Administração e Gerenciamento; Liderança e Empreendedorismo na Saúde; Empreendedorismo Aplicado a Enfermagem; Empreendedorismo e Inovação; Empreendedorismo em Enfermagem; Estágio Supervisionado; Gestão em Enfermagem; Gestão Aplicada aos Serviços de Saúde; Gestão e Empreendedorismo; Integridade do Cuidar. As informações, no que tange às dimensões ético-políticas para formação de enfermeiros empreendedores, apontam objetivos de aptidão para esses profissionais que, segundo os documentos, são repassados durante a formação. Observa-se em recortes textuais dos documentos analisados que os conceitos políticos e éticos estão diretamente relacionados como objetivo da formação do enfermeiro dentro da perspectiva empreendedora. Os parágrafos destacam a importância de formar enfermeiros que estejam conscientes de seu papel, com competência profissional, levando em consideração os princípios da bioética, moral, ciência e filosofia. Além disso, estarem aptos a ter uma atitude empreendedora para tomar iniciativas, gerenciar e administrar recursos em saúde. Enfatizou-se a atuação do enfermeiro como empreendedor do cuidado, focando na qualidade da assistência em diferentes cenários. Menciona-se a introdução da visão empresarial e do papel do organizador de empresas na enfermagem. Isso destaca a necessidade de desenvolver habilidades de gestão e empreendedorismo para que os profissionais possam atuar como proprietários de negócios. É ressaltada também a importância de trabalhar no mercado globalizado e tecnológico, com um espírito empreendedor e práticas inovadoras e criativas. A análise lexicográfica levantou média de 114.760 ocorrências de palavras, distribuídas por 1.951 formas, com média de 17 palavras cada. Considerando-se, portanto, a análise válida diante do bom aproveitamento do corpus textual. As palavras apresentaram um ?2 superior ao valor de referência e com um valor de p<0,0001. Na análise de similitude conduzida, observa-se duas palavras fortemente ligadas por uma ramificação: “Empreendedor” e “Saúde”. O núcleo que apresenta a palavra empreendedor contém ramos com maior grau de contextualidade, com palavras como: “liderança”, “formação”, “desenvolvimento”, “competência”, “conhecimento”, “atitude”, “capacidade”, “ação”. O núcleo da palavra saúde está ligado a ramos, como: “planejamento”, “serviço”, “gestão”, “gerenciamento”, “processo”, “administração”, “atividade”, “direção”. A ramificação entre estes núcleos revela como os termos estão fortemente interligados e transmitem a noção de aspectos políticos para a formação do enfermeiro empreendedor. Portanto, entende-se a necessidade dessas competências e a presença desses contextos nos planos curriculares universitários, proporcionando a aquisição do conhecimento sobre ramos da gestão em saúde e empreendedorismo. CONCLUSÃO Os PPP, PPC e/ou ementas das IES incorporaram disciplinas que abordam questões ético-políticas, incentivam o pensamento crítico, o desenvolvimento de habilidades de liderança e estimulam o empreendedorismo. Destaca-se a visão empresarial no mercado globalizado e tecnológico e o desenvolvimento de práticas inovadoras como atribuições empreendedoras do enfermeiro citadas pelos documentos. Entretanto, não basta apenas o conhecimento técnico específico, é necessário estimular habilidades de liderança em diversos cenários durante a formação, incluindo os consultórios de enfermagem, de modo a incentivar a autonomia profissional. Recomenda-se o desenvolvimento de tecnologias para auxiliar o ensino dessas dimensões nos cursos de graduação em enfermagem.