DERMATITE PERIESTOMA ASSOCIADA À UMIDADE E A ADESIVO MÉDICO: FREQUÊNCIA E FATORES ASSOCIADOS
Resumo
Introdução: As complicações de pele periestoma representam as complicações mais frequentes em pessoas vivendo com estomia e interferem na qualidade de vida dessa população (1). A falta de estudos que categorizem essas complicações de acordo com suas causas específicas limita a compreensão dessas condições. Desta forma, categorizar as complicações que se desenvolvem na pele periestoma, especificamente aquelas que tem a umidade como causa primordial, denominadas Peristomal Moisture- Associated Skin Damage - PMASD (2), e aquelas causadas por adesivos médicos, neste caso a base adesiva, denominadas Peristomal Medical Adhesive - Related Skin Injury - PMARSI3 são de extrema importância para a adoção de plano terapêutico adequado a essas pessoas. A PMASD é conceituada como erosão e inflamação na pele adjacente ao estoma, associada à exposição prolongada a efluentes como fezes ou urina, ou a fontes externas de umidade, às quais o paciente se submete, tais como tomar banho ou nadar, e ainda a transpiração(2). Já o conceito de PMARSI (3) é definido como uma “alteração na integridade da pele que apresenta eritema e/ou outras alterações como descamação epidérmica, lesão por fricção, bolha ou vesícula, observadas após a remoção do adesivo do equipamento coletor. Objetivos: Analisar as frequências de dermatites periestoma associadas à umidade – PMASD e a adesivos médicos - PMARSI, bem como as variáveis sociodemográficas, clínicas e de cuidados associadas às suas ocorrências, em pessoas com estomas intestinais e/ou urinários. Método: Trata-se de um estudo transversal. A amostra do estudo foi de conveniência foi composta por 325 participantes, sendo incluídos pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, cadastrados em um polo especializado de assistência pessoas com estomas do estado de São Paulo. Os dados foram coletados dede outubro de 2021 a abril de 2022, pela pesquisadora principal. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Parecer n. 5.001.059 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética -CAAE N° 50199421.9.0000.5392) e autorizado pelo Serviço. Previamente à coleta de dados, foram desenvolvidas definições operacionais para as variáveis dependentes PMASD e PMARSI e, para tanto, foram convidados sete enfermeiros estomaterapeutas com expertise clínica na área. Esse Comitê avaliou os 19 itens elaborados pelas pesquisadoras a partir do Guia Avaliação, Intervenção e Monitoramento -AIM, da ferramenta OST®. Essas definições obtiveram IVC global médio de 0,89. Os dados dos participantes do estudo foram coletados por meio de entrevista, exame físico e análise do prontuário, conforme instrumentos desenvolvidos pelas pesquisadoras, os quais continham questões relacionadas às variáveis sociodemográficas, clínicas e de cuidado. O exame físico foi realizado tomando como referência o instrumento Ostomy Skin Tool-OST®, adaptado culturalmente e validado para o Brasil (4). Para a análise das associações das variáveis categóricas com PMASD e PMARSI, utilizaram-se os testes Qui-quadrado e Exato de Fischer; e os testes t de Student e Wilcoxon-Mann-Whitney para as variáveis numéricas. Após os testes de associação, construiu-se um modelo de regressão logística múltipla (Árvore de Classificação e Regressão – CART®) para a identificação das variáveis associadas aos desfechos. Resultados: A frequência global de complicações na pele periestoma foi de 54,77%. Houve discreto predomínio do sexo masculino (52%); a mediana de idade foi 61 anos, com predomínio na faixa etária de 60 a 79 anos (48,31%). A cor da pele autorreferida predominante foi a branca (41,2%). O tempo médio de estoma foi de 1,85 ano (DP 5,87). Em relação às medidas dos estomas, o diâmetro médio foi 32,95mm (DP 9,88) e a altura 12,01mm (DP 11,21); o tempo médio de permanência do equipamento coletor foi 3,51 dias (DP 1,75). Houve predomínio de colostomias (63,69%), seguindo das ileostomias (32%); mais frequentemente terminais (67,42%). A causa principal para a confecção do estoma foi o câncer (66,15%), destacando-se a neoplasia colorretal, com distribuição equilibrada entre homens e mulheres outras condições acarretaram a necessidade do estoma, principalmente, processos inflamatórios incluindo as doenças inflamatórias intestinais (16%). A maioria referiu não ter tido o seu estoma demarcado previamente (77,23%). A frequência de PMASD foi 35,69%, com distribuição equitativa entre mulheres (36,54%) e homens (34,91%). Não houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos com e sem PMASD para as variáveis sociodemográficas, exceto para a situação ocupacional (p=0,056), com valor marginal. Ao avaliar a pontuação do Escore DET®, relacionado às características das lesões, os resultados mostram que o escore médio no grupo com PMASD foi superior ao do grupo sem PMASD: 6,56 e 1,55 respectivamente, com significância estatística (p<0,001). Ao avaliar o Escore DET® por extratos tem-se que 78,08% dos participantes com PMASD apresentaram lesões com escores entre 7 e 15 pontos sendo, portanto, classificadas como lesões graves. O CART® mostrou que ter dificuldades com o manejo do equipamento coletor foi o principal fator associado à presença de PMASD em todos os casos, tendo em vista que 100% dos pacientes com autorreferencia de dificuldade neste campo de cuidado apresentaram PMASD e, apontou ainda que a inter-relação entre as ileostomias e a protrusão menor do que 12,5mm se comportaram como fator associado à presença da PMASD (67,6%), daqueles com protrusão igual ou acima desse valor, nenhum apresentou PMASD. O modelo proposto pela árvore de decisão apresentou bom ajuste, com classificação correta em 89,85%, especificidade de 94,26%, sensibilidade de 81,9% e Erro de Validação Cruzada de 10,15%. Para PMARSI, a frequência encontrada foi 16%. distribuindo-se equitativamente entre mulheres (28/17,95%) e homens (24/14,20%). Não houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos com e sem PMARSI para as variáveis sociodemográficas, exceto para a situação ocupacional (p=0,029). também para as variáveis clínicas, não houve diferenças estatisticamente significantes entre os grupos sem e com PMARSI. O tempo de estoma maior ou igual a 0,5 ano foi considerado como principal fator associado ao desenvolvimento dessa lesão e a inter-relação entre efluente pastoso ou urinário e Índice de Massa Corporal maior ou igual a 26,26 kg/m2 (sobrepeso ou obesidade) mostrou-se como outro fator associado à presença de PMARSI (70,6%). O modelo proposto pela árvore de decisão classificou corretamente em 86,2% dos casos, com especificidade de 98,2% sensibilidade de 23,1% e Erro de Validação Cruzada de 15,69% Já a frequência para PMASD e PMARSI simultaneamente foi de 5,54%. Dentre as variáveis sociodemográficas analisadas houve diferença estatística para o arranjo domiciliar, onde 12,25% dos participantes que moram sozinhos desenvolveram PMARSD e PMARSI (p=0,026). %. Os testes de regressão não foram realizados nesse grupo em função da amostra ser pequena. Conclusão: As frequências de PMASD e PMARSI encontradas foram similares aos achados de estudos epidemiológicos internacionais. Os fatores associados ao desenvolvimento de PMASD são corroborados pela literatura disponível; já os fatores associados ao desenvolvimento de PMARSI são achados de certa forma inéditos, sobretudo ter sobrepeso/obesidade e ileostomia. Clinicamente, a maior clareza diagnóstica dos tipos mais frequentes de dermatites periestoma, PMASD e PMARSI, contribuem para o desenvolvimento e implementação de intervenções preventivas e terapêuticas mais precisas para controle dos fatores de risco não modificáveis e que se mostraram associados a essas complicações, mas que, nem por isso, são menos sensíveis à atuação da equipe, em especial do enfermeiro estomaterapeuta.